Tarifa Dinâmica
- Ué, você não vinha de uber?
A pergunta não escondia o tom desapontado. Luana tinha dito a Maira que precisava falar com ela sobre um assunto particular e a irmã apareceu acompanhada do marido.
- Tava caríssimo. O João me deu uma carona, esse café fica no caminho do escritório dele. Tem problema?
- Não, claro que não, imagina – respondeu Luana, sem disfarçar o desconforto.
- Eu posso deixar vocês duas conversando – ofereceu João.
- Imagina, amor - Maira protestou, sorrindo - Você já pagou o estacionamento. E a gente não vai demorar, né, Lu?
Luana preferiu olhar para o cardápio. Maira continuou:
- E depois, vai ser um inferno pra eu conseguir um carro esse horário.
- Bom, neste caso, vou direto ao assunto – disse Luana, sem ir direto ao assunto. Deteve-se, procurando as palavras. Respirou fundo, batucando os dedos na mesa, impaciente. Finalmente, começou por:
– Os gêmeos já estão com seis anos.
- Nossa! Seis anos! – concedeu João, simpático – Parece que foi ontem!
- Ai meu Deus, eu não vejo eles há meses. Sou uma tia muito desnaturada, Lu? É isso? Você tá certa, eu não posso ficar esse tempo todo sem ver meus…
- Maira, eu não vou mais guardar os embriões.
O barulho de pratos caindo na cozinha pareceu o som apropriado para acompanhar o anúncio. Luana prosseguiu:
- A cada seis meses eu preciso renovar o contrato de criopreservação e, não sei se você sabe, mas é muito caro.
- O que?
- Guardar os embriões. A clínica me cobra uma fortuna.
João, claramente desconfortável, olhou para a esposa. Maira explicou:
- A Luana e a Flávia tiveram os gêmeos por inseminação artificial.
- Até aí eu imaginava, né – protestou João.
- Com embriões adotados – completou Luana – Eu adotei quatro embriões e usei dois. Sobraram dois embriões saudáveis, que eu guardo até hoje, congelados em perfeito estado. Mas eu decidi que não quero ter mais filhos.
- Você tem certeza, Lu? – questionou Maira – Você ainda é nova, teve todo esse trabalho para engravidar da primeira vez...
- A gravidez foi horrível, Ma. Os gêmeos, olha, não me entendam mal, eles são o amor da minha vida, mas eles são um azougue, minha vida é um inferno. E eu e a Flavia estamos nos separando.
- Puxa vida, Lu, sinto muito.
- É. Paciência.
- E o que você vai fazer? – perguntou Maira.
- Era isso que eu queria falar com você, Ma. Afinal de contas –
- Ah, meu deus.
- Maira, deixa a sua irmã falar.
As duas se olharam, em silêncio. Luana voltou a escolher as palavras e recomeçou, devagar:
- Eticamente, eu não posso vender os embriões saudáveis. São irmãos dos meus filhos.
- Nem pensar! - Maira concordou.
- Aí eu tenho a opção de doar ou… descartar os embriões.
- Não! - adiantou-se a irmã - Eu posso emprestar o dinheiro pra você guardar eles mais um tempo!
- Mas eu não quero guardar eles por mais tempo, Maira! Eu já decidi.
- Ela já decidiu, amor – reforçou João.
- Mas você não pode decidir isso sozinha, Luana! São os meus filhos, também!
Nenhum prato caiu na cozinha. Mas daria para ouvir um guardanapo caindo do outro lado do salão. Maira suspirou e revelou ao marido atônito:
- Eu fui a doadora dos óvulos.
- E quem... - João tateava pelas palavras - Quem fecundou esses óvulos?
- Um doador anônimo – explicou Luana.
- Quando foi isso? – João estava em choque.
- Há uns oito anos – disse Maira, e acrescentou, rápido – Antes de eu te conhecer.
- Porra, Maira.
- Amor, calma.
- Você disse pra mim que queria esperar e esqueceu de me contar que já tem dois filhos?
- Opa, opa – protestou Luana – São MEUS filhos!
- Sim, mas são meus óvulos! – Maira argumentou.
- Então! – concluiu Luana – Você quer os embriões ou não?
- Você tá louca? Como é que você me joga essa bomba?
As duas irmãs se encaravam. João levantou-se da mesa.
- Amor? Onde você vai?
- Não dá, eu preciso ir – ele disse.
- Amor?
- Porra, Maira...
- Amor, espera. Eu também estou indo.
João olhou para Maira, ferido:
– Você fez embriões com outro homem.
As duas observaram João sair do café, sem impedi-lo. Luana olhou para a irmã.
- Falei pra você vir de uber
ilustração: Os Gêmeos
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os dias eram assim
eu ia escrever outra coisa, mas entrei no instagram e esqueci.
Não posso me dar ao luxo de não ter rede social e, verdade seja dita, já foi bem divertido. Mas já faz alguns anos que penso que a gente precisa ter um grupo de apoio para usuários, pra desabafar sobre como aquela joça mexe com a nossa cabeça, como afeta nossos relacionamentos e nossa percepção da realidade (o que é isso?) e trocar dicas de como usar as redes de forma mais saudável (seria possível?).
Minha dica que ninguém pediu é usar um bloqueador seletivo. Eu uso um chamado Opal (versão gratuita) e deixo ele permanentemente ativado. Ele não deixa eu entrar em nenhuma rede social sem primeiro desbloqueá-lo, contabiliza meu tempo de tela, meu tempo de uso de cada rede e a cada desbloqueio eu preciso esperar mais tempo para liberar meu acesso. É um pouco mala, porque se eu recebo um link de instagram no final do dia, por exemplo, demora tanto para conseguir abrir que eu desisto. Mas a ideia é justamente essa.
Continuo achando que seria bem útil um grupo de apoio - presencial, de preferência, mas aí estou querendo demais, né não? Me conte nos comentários se você já sonhou em formato de stories, ou como se estivesse rolando uma tela.
Tarifa dinâmica é f*!
Mui - tu - bom!!!! 🤣🤣🤣🤣🤣🤣