Acordei no meio da noite. De novo. Três da manhã. Suores. As juntas inchadas.
A angústia. A sensação de que o tempo está parado no momento da queda. Eu me vejo caindo, mas ainda não caí. Eu digo a mim mesma “vai dormir, ainda não aconteceu nada”. Mas o “ainda” me mantém acordada. A queda iminente. Quando o chão vai se abrir sob meus pés?
Antes eu acordava pensando que o problema era a pandemia. Minha família longe. Falta de vacina. Fake News. Perseguição aos artistas. Depois as causas eram a IA desregulada, o colapso climático, a extinção dos corais, o massacre em Gaza, a novilíngua trumpista, especulação imobiliária devorando a cidade, será que vão derrubar meu quarteirão, meu condomínio aumentou e terceirizaram a zeladora. Socorro.
Há algum tempo li que três da manhã é o horário em que há uma mudança no ritmo circadiano. O corpo para de produzir melatonina, que é o hormônio do sono, e passa a produzir cortisol, que é o hormônio do estresse. Também li que, na madrugada, a atividade do córtex pré-frontal diminui e o sistema límbico assume o comando. O córtex pré-frontal é responsável pelo pensamento racional e tomadas de decisão baseadas em razão e análise, já o sistema límbico é o que faz a gente localizar as saídas assim que entra num lugar estranho (e também é o que faz a gente mandar aquela DM emocionada para o ex). Com o cortisol liberado e o sistema límbico em full mode, sobrevêm os pensamentos apocalípticos e as ideias de jerico.
Ou seja, a melhor coisa que podemos fazer por nós, de madrugada, é dormir.
Mas na menopausa, a gente acorda às três da manhã. E aí, vem uma pessoa bem-intencionada, digamos uma jovem médica de uns 35 anos, e diz: “se acalme, se não conseguir dormir, pelo menos descanse”. Você já conseguiu descansar procurando a saída diante dos piores cenários?
Às três da manhã a cabeça repassa uma lista de horrores. Meus medos e indignidades – passados, presentes e futuros – desfilam vestidos de gala na passarela da insônia.
Salvador Dali: O Sono (1937)
Uma vez eu estava passeando num shopping com o meu pai e na praça de alimentação tinha uma pessoa vestida de Galinha Pintadinha distribuindo panfletos. Meu pai aceitou o panfleto, muito gentilmente, depois virou-se para mim e disse, baixinho: “sempre penso que poderia ser você”.
(Sim, meu pai tem uma filha que é atriz – eu – e quando ele vê um boneco-cabeção é nela que ele pensa. Poderia pensar na filha quando vê a Kate Winslet, ou a Fernanda Torres, mas, sejamos honestos, um ator de teatro no Brasil está estatisticamente muito mais próximo de um boneco-cabeção distribuidor de panfletos do que de um Oscar. Será que esta ideia também assombra o meu pai às três da manhã?)
Quando eu descobri que estava no climatério (a pré-menopausa), a primeira médica que eu fui disse: “isso tudo é esperado”. Por quem? Por mim é que não era. Toda noite é um game-show: “Adivinhe Quem Vem pra Assombrar?”; “Meu Fiasco Favorito”; “Roleta das Pendências”. Tudo isso ao som de Daniela Mercury cantando “quanto tempo tem?” (e a música só vai até aí).
Enquanto tento extrair algum sentido deste amontoado de pensamentos, os passarinhos começam a cantar e a luz do dia entra pela janela. Percebo que estava divagando e, sob a luz do sol, a realidade concreta se impõe às sombras multiformes do pesadelo. Que bom que é dia. Mais um dia para (tentar) fazer dar certo. Mais um passo na direção oposta do boneco-cabeção. Junto com a luz, instaura-se algum sentido. Quanto tempo tem? O tempo que (eu) tiver.
Respiro e vou passar um café. Às três da tarde sentirei um sono infernal.
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Eu tenho uma pergunta: Pra onde vão as meias que somem na máquina de lavar?
Eu leio você e me dá vontade de escrever, também.
Mas só depois de amanhã. Amanhã eu vou descascar pra me preparar pra escrever depois de amanhã.
Enquanto isso, eu leio você.
Num é que é assim mesmo? Jogo duro.
Adoro a escrita.
Bjimmmm